sábado, 19 de março de 2011

Trovão e Lua

"O céu já fica laranja às vezes."
Com essa frase uma pessoa me animou muito ontem, enquanto eu falava sobre adorar o outono. E embora a paisagem vá se modificando para a nostalgia dessa estação, quando olhei pela janela, senti cheiro de grama molhada. Tinha acabado de chover e já era tarde, e ao que tudo indicava, era hora de eu ir embora do Departamento de Física, se não quizesse pegar uma chuva "viçosense".
Não sei se já tinha comentado, mas aqui chove do nada. Provavelmente efeito das montanhas ao redor, ou do azar mesmo, mas 50% das vezes que você toma chuva aqui, nem percebe ela chegando. E naquele dia, com o céu nublado, eu saí de volta pra casa.
Braços cruzados. Um grande mestre meu dizia que apenas se deve preocupar em aquecer o tronco, que o resto do seu corpo se aquece sozinho. Eu não sei bem se é verdade, mas naquele instante eu cruzei os braços, pois estava no meio da reta, e começava a chover.
Eu olhava pra cima, e via as gotas chegando pouco a pouco, de dentro pra fora no círculo do meu olhar. Elas eram cada vez mais numerosas, e eu ligava cada vez menos pra elas. Quando eu era pequeno, gostava de entrar na chuva quando ela já estava forte, gostava de pegar o olho do furacão, mas o que me fez ignorar o fato de estar me molhando foi o "pouco-a-pouco". Não foi a essência daquela juventude perdida, mas o que aquela sensação fazia comigo, naquele dia. Eu cheguei ao fim da minha reta da UFV, passei pelas quatro pilastras, e tomava o rumo de casa. O filme que descia do céu agora estava sendo rebobinado, e a chuva parava de cair mais rápido do que tinha vindo.
Já a 100 metros de onde eu moro, uma luz estranha iluminava a rua, onde as luzes dos postes denovo não tinham suportado uma chuvinha. A grande auréola branca desenhada nas nuvens pela lua. Ali, naqueles 100 metros finais, parecia que alguém me tinha pregado uma peça, e que peça linda. Aquela chuva lavou as coisas que eu queria perder.

quinta-feira, 17 de março de 2011

O 24º Outono

Eu nasci uns cinco dias antes do começo do outono de 1987, mas ainda assim me considero um outonense. Agora já faltam cinco dias para o começo de mais um outono, o 24º da minha vida, e alguém veio hoje e me disse que eu sou a pessoa mais bem humorada que esse alguém conhece. Bom, talvez as pessoas não me conheçam tão bem, mas isso não importa.
O que importa é que ontem, antes de hoje chegar, eu percebi grandes coisas acontecendo, fiquei feliz com quase todas elas, e quando chegou meia noite eu pensei que eu poderia morrer ali mesmo, e a paz se faria no mundo. Eu sempre tive certeza que, se fosse pelo bem da humanidade, 80% da população terrestre jamais dará uma contribuição que mereça ser notada. A grande maioria das pessoas só está aqui pra incomodar, mas nesse intervalo de 24 horas eu pude perceber aquilo que ainda existe pra se salvar. Eu vi as pessoas tristes do mundo.
Sim, porque aquela pessoa que você vê rindo o tempo todo tem a vida mais sem graça que se pode imaginar, sabe por que? Porque ela tem certeza que dali ela não vai a mais lugar nenhum. E assim eu vejo a felicidade, a felicidade da simplicidade, e por muito tempo eu pensei porque eu não era feliz assim. Acho que finalmente encontrei a resposta: porque eu ainda tenho a capacidade de me mover. Eu ainda posso fazer muito mais do que faço agora, e essa minha "falta de felicidade" serve pra eu me lembrar disso - serve pra não deixar que eu me acomode e siga em frente. Eu nunca vou ser feliz assim.
E ainda bem que eu soube de tudo isso, já que o 24º outono está pra começar. Nesse momento, no horizonte, uma antiga estrela se aproxima.

segunda-feira, 14 de março de 2011

No Começo e No Fim

Sempre tenho comentado a forma como aproveito as minhas viagens. Cada ônibus que eu pego é como uma música que eu canto pra mim mesmo, e dividir certos momentos com estranhos me deixa, de certa forma, mais à vontade do que com conhecidos.
A mudança, por si só, me proporciona pensamentos que muitas vezes eu cheguei a deixar de lado, uma vez que chego ao meu destino, mas nada disso me impede de começar tudo denovo, quando chega a hora de voltar. Acho que essa é a melhor definição de casa: é pra onde eu vou quando digo: "É hora de voltar...". Enfim, nesse vai e vem em que a minha vida tem se resumido nos últimos (quase) cinco anos, alguns pensamentos me vinham preferencialmente enquanto eu esperava o ônibus partir, ou quando via, no céu noturno, os primeiros reflexos das luzes da cidade - do meu destino. E são esses pensamentos que sempre permanecem, quando entre uma viagem e outra, eu encontro asilo na residência fixa, nos acontecimentos de cada dia.
Eu falo dos motivos, das razões às vezes obscuras a mim mesmo, de ir de um lado para o outro. Falo das coisas que me motivam a ir pra onde as quatro rodas me levam, e dos lugares onde nenhum veículo do mundo poderia me levar. Falo daquilo que me impele, que me chama em cada lugar onde, vez ou outra, me vejo chegando sem saber porque, sem pensar muito sobre isso. Falo das pessoas - de uma dúzia de pessoas que são importantes pra mim, das que estão ao meu alcance, das que eu ajudei tantas vezes quando ninguém mais podia. Eu falo daquilo que aprendi com todas elas, e da mais cruel e absoluta verdade: você jamais se tornará importante pra quem ajudar, principalmente quando se é o único que pode fazê-lo, mas para aquele que ajuda, uma marca e uma cicatriz são feitas, e elas duram eternamente: assim nasce a importância e o zelo.
Eu falo disso porque fiz coisas pra muita gente, durante toda a minha vida - coisas que apenas eu seria capaz de fazer, e isso não me fez importante, mas tornou muita gente importante pra mim. E nesse momento, já passados tantos anos, eu sei que não há uma só pessoa no meu planeta, nos pontos finais de nenhuma de minhas jornadas, no começo e no fim, que possa me retribuir por tudo aquilo. Esse é o preço que se paga por fazer pelas pessoas aquilo que elas não podem fazer sozinhas.
Esse é o preço que se paga por não poder pedir.