sábado, 18 de setembro de 2010

O Sermão

Eram umas dez da manhã, e lá vou eu, saindo da escola onde acompanho as aulas, como estagiário. Como nosso supervisor gostava de dizer, nossa presença mudava um pouco a rotina da escola. Eu sempre imaginei que teríamos uma influência positiva nos alunos, e me esforço para que isso aconteça.
Nesse dia eu não passei em casa, como sempre faço antes de ir pra UFV. Fui direto, mas antes tive que passar numa copiadora pra pegar mais uma lista de exercícios. É aí que começa a minha história. Quatro páginas impressas depois, vem a pergunta "Quer que embrulhe num plástico?". Normalmente eu não faço isso, mas dessa vez, na última hora, "Pode sim.". Com as folhas embrulhadas, continuo o caminho, e, passando perto de um lava-jato, espirra água em todo o plástico que envolvia as cópias. Eu e as folhas estávamos intactos.
Moral da história: Ainda bem que eu peguei a porcaria de um embrulho de plástico na copiadora. Assim, enquanto o plástico secava pelo Sol forte, e pelo tempo seco daquele dia, eu ía pensando comigo. Alguém há de achar que existe algo sobrenatural sobre muitas coincidencias, e que o bem acontece com as pessoas que praticam o bem. Mas, ao longo da minha vida, tenho recebido algumas evidências do contrário. Enfim, você se lembra de, em algum momento, ter colhido algo que, no fundo, não plantou? O impulso de que precisamos varia muito de pessoa pra pessoa, mas no fim é isso: a gente só pode ter aquilo que se permite. Não existe essa de merecimento, existe chance, atenção e consequência - busca e conquista.
Nesse ritmo eu continuava caminhando pela reta da UFV, o que em tempos remotos eu fazia de madrugada, e tudo aquilo que eu achava que merecia foi desaparecendo. Tudo o que eu esperei, até hoje, não aconteceu. Tudo aquilo o que sonhei, ainda não se tornou realidade, pois ainda não lutei por isso.
"Ela se foi, e disse que eu não luto por aquilo que eu quero". Acho que finalmente entendi; o sermão valeu à pena. Desaparecidos ainda continuam desaparecidos...

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Ao Inesperado

Eu parei esses dias pra pensar em muita coisa. A maioria delas não tem nada a ver com meu momento atual. Decidi, pela primeira vez, pensar no futuro. Vou dizer a impressão que tive.
É como você entrar no supermercado, com uma lista de compras, sem saber quanto as coisas vão custar, e com pouco dinheiro. Já lá dentro, então, você ainda assim sai pegando tudo, sai correndo atrás de tudo de uma vez, e não se preocupa se o seu dinheiro é suficiente ou não. De repente, na fila do caixa, você olha a sua carteira.
Ontem eu fui olhar minha carteira, cheio de coisas na mão, e sem ter como pagar por todas elas. Nesse momento é que vem a pior parte: escolher o que vai devolver para a prateleira, escolher aquilo do qual se privar e pensar naquilo que não vale à pena, aquilo cujo preço é muito alto.
Essa semana estou caminhando de volta às prateleiras, pra devolver algumas coisas, principalmente aquelas que, embora eu queira, vão contra o que eu acredito.
O consolo que isso me trás é saber que, por mais que não quizesse deixar certas coisas pra trás, ninguém pode ficar no supermercado pra sempre. No lado de fora, tudo aquilo que lutamos pra conseguir, tudo aquilo que satisfaz nosso merecimento, se torna nosso. E o nosso dinheiro é a nossa vontade de fazer as coisas, nossa capacidade de nos envolvermos em um objetivo e seguí-lo, sempre por um preço justo; sempre lembrando que não se deve ir contra aquilo que acredita, ainda que seja para ir atrás de algo que deseja. Mas alguns preços caem, e seu desejo ainda pode ser recompensado.
Sou de uma longa linhagem de sobreviventes, e dos amores que tive, e das coisas que estou botando de volta, tudo que tenho a dizer é que algumas mudanças nunca se concretizam. Vou voltar à fila com aquelas nas quais ainda tenho esperança.
Faço isso ouvindo um sermão por dia...

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O Campinho

Estive novamente na cidade onde eu cresci.
O frio que estava fazendo fez com que a maioria das pessoas ficasse em casa, no Domingo. E durante alguns instantes, eu passeei pelas ruas daquela cidade, e talvez não fosse pedir demais que o tempo voltasse alguns anos, e eu pudesse refazer certas coisas, ou rever certos acontecimentos que poderiam ser mudados. Ou não.
Mas o caso é que, sempre que você sai por aí, em algum momento você volta pra casa. Perto da minha casa tem um campinho de futebol. Cheguei com a bicicleta no portão de casa, e de lá só dava pra ver um dos gols, onde um menino de uns dez anos observava a partida. E me lembrava de quando era eu quem estava ali, naquele mesmo lugar, tantos anos atrás, esfolando meus joelhos por coisas tão momentâneas, e mesmo assim que me davam um prazer imenso. Daquele campinho tantas vezes a gente viu o sol se pôr, e continuava brincando até não dar mais pra ver a bola - às vezes até quinze minutos depois, quando ninguém via mais a bola.
E é isso o que está acontecendo agora, tal como naquele tempo. Eu estou esfolando meus joelhos. Eu percebi, olhando aqueles meninos, que eu não tinha mudado em nada, desde aquela época. Eu me machucava, e sabe-se lá quantas vezes eu troquei a pele da sola do pé, quando voltava pra casa. E quanta roupa suja minha mãe teve que lavar depois de um dia inteiro debaixo de chuva, quando a sujeira parecia se multiplicar. Eu era alguém que esfolava os joelhos, mas não parava pra chorar. Não me sentia, nem por um minuto, incapaz de continuar. Olhando aqueles meus pequenos passados, eu ía me convencendo de que ainda sou assim.
Estou esfolando meus joelhos, e é por uma boa causa.