domingo, 11 de abril de 2010

Tudo Beleza.

O frio está chegando e, junto com ele, mais uma batalha.
Enfrentar essa minha guerra, agora, chega a soar estranho pra mim, já que pela primeira vez ela não é a única coisa em minha mente. Meus aldeões já voltaram e os muros estão novamente de pé. Depois de um início de ano conturbado eu pareço finalmente me ajeitar no governo da minha vida, e tenho tudo para continuar firme nas batalhas.
Posso dizer que essa semana finalmente conseguiram me analisar por completo, e andaram me falando umas verdades que eu adoraria compartilhar com todos que acompanham essas aventuras de um clichê do mal: aquilo que a maioria das pessoas fazem para atrair umas às outras não funciona comigo. A maioria das meninas se preocupam muito com a aparência aqui nessa cidade, e isso pra mim não faz absolutamente a menor diferença. Por quê? Pois eu tenho o impressionante "defeito" de ver o que as pessoas fazem primeiro, depois ver o que elas são, ou o que parecem ser. Foi assim com a maioria das pessoas com as quais eu realmente me dei bem: Elas não estavam fazendo algo normal - estavam fazendo algo que as definia profundamente, e nenhuma delas estava particularmente bonita na época (risos). Enfim, isso vai me trazer muitos problemas por morar numa cidade onde praticamente todo mundo liga mais pro que parece ser do que pro que realmente está fazendo, mas enquanto isso funciona para a maioria (e eu quero dizer as outras seis bilhões de pessoas que não são eu), então por mim tudo bem. Eu sei que sempre vou achar uma estranha na multidão fazendo algo tão inóspito que ninguém vai ligar, ninguém vai perceber.
Eu últimamente tenho entendido que a beleza verdadeira está muito bem escondida por esse mundo, e você tem que buscar cada vez mais fundo para encontrá-la. Cada vez mais as pessoas se esforçam para serem homogêneas, e cometem o maravilhoso pecado de estarem no lugar errado, na hora errada, mas com a roupa certa.
Parabéns pra quem consegue a façanha. Eu não consigo.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

A Memória da Tempestade (Parte 4)

Lá estavam eles, na chuva, e olhando para baixo. O menino fraco tocou em seus ombros e lhe disse de sua última responsabilidade: "Aproveite seu tempo, e a veja crescer. Quando isso acontecer, deixe-a ir." Foi isso o que lhe havia dito há tantos meses, e era isso o que ele lhe lembrava agora. O fim estava próximo, mas o lembrava de que um novo começo estava por vir. A cicatriz estava se fechando e o sangue iria parar de escorrer.
O menino, então, andou até o carro. Entrou, e foi levado pela estrada escura. O rapaz ficou ali um segundo, e logo tomou seu caminho.
Dias depois ele traiu aquilo o que mais amava, e cumpriu a parte que era sua na responsabilidade aceita. Ele a deixou ir.
Mas não foi simples, nem para alguém como ele, e os dias que se seguiram não foram nada fáceis. Alguns traumas voltaram, e o sentimento de que alguma coisa precisava ser corrigida passou várias vezes pela sua mente. Mesmo assim, ele não fez nada, ele se recusava a voltar atrás numa decisão que tivesse tomado.
Um ano havia se passado e ele voltou ao lugar onde se despediu do menino fraco. Não havia nada para ser dito, nada para ser escrito, e um acontecimento fantástico havia definido tudo aquilo, quatro anos atrás: graças à memória da tempestade.
À sua direita, pendurado em uma estaca, estava o casaco vermelho. Ele o vestiu, e no bolso da direita havia um pequeno pedaço de papel, onde estava escrito: "Você vai se tornar uma pessoa melhor, e nem vai perceber."
Uma brisa branda começou a cair, e o sol se pôs na cidade, para nascer em outra.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Dez

O ônibus balança, e eu estou voltando. Lá fora chove, e de dentro dele dá pra ver os raios. Não me lembro desde quando passei a integrar a parte fácil da equação.
Enfim, estava lá, olhando pra frente, e não conseguia dormir como de costume, e como alguém que não consegue dormir, comecei a pensar. Já vi muita gente perdida no espaço por aí, mas eu acabei me perdendo no tempo, nessa viagem. Não sabia que horas eram, que dia era ou quanto tempo tinha passado fora. A única coisa da qual tinha certeza era de que, seja lá o que eu tenha sido antes, ficou pra trás sem que eu pudesse perceber.
Foi nesse espírito que o ônibus chegou à rodoviária, onde eu desci e fui me sentar, esperando a chuva passar. Eram, nesse momento, 22h20min do dia 21 de março de 2010. Eu havia me localizado, enfim. Não havia táxis, mas pessoas esperando por eles, então fiquei por ali.
Brincando com a alça da mala, olhando para os dois lados, perigosamente sozinho. Digo perigosamente porque minha mente estava, naquele momento, completamente desocupada – e isso é um baita mau sinal. Deu vontade de voltar ao guichê e comprar uma passagem para outro lugar, para tentar ver o que sou capaz de fazer com minha nova forma de ver o mundo. De que serve uma lição se você não pode botá-la em prática? Foi aí que lembrei que já tinha falado disso com alguém. Alguém com quem aprendi muita coisa, mas apenas na sua ausência eu pude realmente pôr em prática. Perto dos nossos mestres nós nunca vamos nos acostumar a saber o que temos que fazer.
Olhei novamente o relógio da rodoviária, e eram 22h30min. Em dez minutos, todo um pensamento me levando de volta ao ônibus chegou e passou. Lá fora, a chuva havia diminuído, e embora ainda pudesse me molhar um pouco, me pus a caminho de casa passando pelas pessoas que ainda esperavam os táxis. Elas, ignorantes, jamais saberão da verdade que acabara de descobrir: Perto dos nossos mestres nós nunca vamos saber o que temos que fazer. Ainda assim, foi bom voltar a ver o vilarejo das pessoas que viram a nossa despedida, aquelas que souberam a diferença entre o amor que sonhamos e o amor que vivemos.
Felizmente acho que elas já foram experimentá-lo.
“Guardar na memória é tudo o que você tem.”

A Memória da Tempestade (Parte 3)

Certas lições são muito mais facilmente aprendidas quando não se conhece o rosto do mestre. Isso impede que haja qualquer preconceito por parte do discípulo. Alguns ensinamentos, no entanto, são muito mais difíceis do que se imagina.
“Existem dois tipos de pessoa no mundo: as que acreditam no que sabem, e as que acreditam no que temem. Cuidado com o tipo de pessoa que quer ser.”
“É muito fácil dizer: ‘Eu tenho um sonho’. Todos têm. O que fará se eu apontar para ele e disser: ‘Comece a agir’?”
Entre coisas para se pensar, o rapaz descobriu uma verdade cruel: seu mestre tinha os dias contados. Não se sabia quando, embora em breve, mas ele iria morrer. O peso da sua responsabilidade idiota já não era nada comparado àquilo - era agora só uma tola mocinha igual a todas as outras. Não adiantaria tentar prepará-la para o mundo sem que ela mesma o enfrentasse. Aquele pequeno mestre, de quase quinze anos, estava fazendo isso em cada dia da sua vida. E o rapaz, lembrando-se do sofrimento de seu mestre, se lembrava da chuva, da noite sob a marquize; de um tempo em que aquilo que morria não havia sequer nascido – de um tempo em que ele ainda não tinha a cicatriz na sobrancelha, e os raios cortavam o céu. Naquela noite havia aprendido o verdadeiro significado do egoísmo: Ele só queria ir pra casa, só queria que a chuva parasse, mas ela não parou. Essa era a verdade maior da sua vida – sempre que se ele tinha um pensamento no mínimo egoísta, o mundo cuidava para que ele fosse arrebatado. Os seus desejos foram, aos poucos, de distanciando de seus objetivos – agora o seu mestre estava morrendo.
No fim do inverno, no último dos anos de seu mestre, o rapaz resolveu subir a montanha, até a rodovia, pela última vez.
Um carro chegou onde ele estava, e um menino fraco desceu, com um casaco vermelho muito maior do que ele. O rapaz havia seguido seus ensinamentos até agora, e finalmente estava pronto para ouvir o último deles. (continua).